por Eduarda D’Agostini
(conteúdo publicado na Revista Terroir Boccati Edição 04 – Verão)
Dizem que “tamanho não é documento”, e acredito que a Bélgica seja uma grande prova disso. Um pequeno país, ocupando uma área de aproximadamente 30 mil quilômetros quadrados, porém com tradição e costumes riquíssimos, construídos por um mix de pessoas de diferentes nacionalidades que ali vivem. O país, capital da União Europeia, faz fronteira cultural entre a Europa Germânica e a Europa Latina, refletindo todas essas influências em sua cultura.
A Bélgica é basicamente dividida em duas grandes regiões: Flandres (Norte), onde se fala holandês, e Valónia (Sul), onde se fala francês. Ainda há um grupo de pessoas que falam alemão, em uma pequena comunidade, e, na capital Bruxelas, tanto o holandês quanto o francês são oficiais. Mas, para nós visitantes, o que importa mesmo é que nas maiores cidades e nas mais turísticas é possível se comunicar tranquilamente em inglês, em alguns locais até em espanhol.
Bruxelas é parada obrigatória, com muita história, arquitetura, parques e monumentos para conhecer. Além de ser uma cidade com ótimas opções de lazer e gastronomia para curtir. Mas, como em todo país europeu, na Bélgica é possível encontrar muitas cidadezinhas no interior que são verdadeiras surpresas. Na região de Flandres, a uma hora de trem da capital, podemos visitar a bela cidade de Bruges.
Os encantos de Bruges
Bruges é uma pequena cidade histórica medieval, conhecida como Veneza do Norte por seus belos canais que um dia foram suas grandes avenidas. A cidade já foi centro comercial e industrial, chegando a ser uma das principais economias da Europa entre os séculos XII e XV. Na época, repleta de comerciantes de todas as partes do mundo, sua indústria era tão forte que, no final do século XV, chegou a ter o dobro de habitantes que Londres.
Nesse período, Bruges era conectada com o mar por um canal, e seu porto estava sempre cheio de navios. Porém, durante o século XV, esse canal perdeu acesso ao mar, deixando a cidade isolada. Com isso, o comércio parou e, consequentemente, Bruges també
Foi então que a cidade dormiu um sono profundo de 400 anos. Mas, graças aos turistas ingleses que viajavam à Bélgica e acabaram descobrindo os encantos de Bruges, que a cidade voltou a brilhar, desta vez como um centro turístico. E hoje é o turismo que a move, graças a preservação e a uma renovada que a cidade ganhou, permitindo que Bruges mantivesse sua característica ao longo dos anos e pudesse contar uma história genuína a cada um de seus visitantes.
A verdade é que parece que os relógios pararam no tempo em Bruges. Seu charme se manteve como se estivéssemos passeando pela Bélgica alguns séculos atrás. Brilham os olhos a cada passo dentro dessa cidadezinha, a cada detalhe que observamos. Depois de caminhar um tempo a gente percebe que o sino da igreja ainda está tocando, em alguns momentos do dia ele não para mesmo, é uma melodia que já faz parte dali, faz parte do ambiente e faz sentido.
Na majestosa praça central recebemos às boas-vindas. Turistas pra lá e pra cá tirando dezenas de fotos pela praça ou já escolhendo em quais das várias ruas estreitas irão entrar primeiro para desbravar Bruges, barracas de comida de rua, o contraste entre as carruagens e as bicicletas indo e vindo. É ali mesmo, na praça principal, que estão lado a lado os famosos e super graciosos prédios coloridos, além de outras construções importantes e históricas. Na verdade, não é somente a fachada dos edifícios que chamam a atenção, mas tudo o que podemos encontrar dentro de cada um deles. Belos cafés e restaurantes, prédios públicos abertos à visitação, museus, dezenas de lojas.
As lojas em si podem ser divididas em duas categorias. As mais centrais são maiores e com foco no turista, com a massa dos souvenirs e cervejas belgas a altos preços, essas sempre é bom evitar, afinal as cervejas são as mesmas em qualquer lugar, e no supermercado dá para comprar de uma forma muito mais econômica. Mas também por outro lado, nas ruas estreitas, desbravando a cidade, é possível encontrar lojas encantadoras.
Nem são todas de souvenirs, mas parecem, pois dá vontade de levar tudo como uma recordação dessa linda viagem. Essas são mais pequenas e em algumas até mesmo podemos perceber que os donos estão ali te recebendo e contando a história deles, em cada objeto que vendem. Difícil dizer qual minha favorita.
Na área da gastronomia, são muitas opções. Linda é a loja de azeites de oliva, incrível a quantidade de sabores dos azeites, todos vendidos a granel ou em embalagens pequenas, antepastos diversos, acessórios para servir o azeite, de tudo. As lojas de chás e cafés são um charme, também vendem a granel ou em belas pequenas embalagens, além dos acessórios para servir, como as tradicionais canecas e ainda lindos bules e chaleiras, incrível, uma das lojas tem centenas de modelos um mais lindo que o outro.
Na onda dos souvenirs, tem uma adorável loja de decoração de Natal (em qualquer época do ano) com lindos quebra-nozes, os pequenos pretzels, os mais variados pingentes para pendurar no pinheirinho, delicados, parecem feitos a mão um a um. E os relógios cucos? Dá vontade de ficar horas observando só pra ver o que irá sair de cada um deles quando der a hora cheia. E ainda tem uma encantadora loja de bonecas de porcelana, a loja das pelúcias, lojas de cosméticos artesanais, entre tantas outras. São infinitas opções para se perder em Bruges, e nem precisa ser consumista, pois o mais agradável é poder entrar nas lojas e ter tempo para apreciar com calma tudo o que eles vendem com amor.
E os bares e restaurantes? Sempre lotados, independente da hora. A gastronomia belga é muito boa e variada, devido à grande mistura de culturas. E ainda existem opções imperdíveis na gastronomia de rua, como as famosas belgian fries, pois os belgas dizem que quem inventou a batata frita foram eles e não os franceses, então na Bélgica não peça french fries, ali elas são belgian. E que delícia! Eles servem na rua mesmo em cones ou pratos de papel, acompanhadas com um maravilhoso molho, vulgo ketchup.
Ainda têm os doces, maravilhosos. A Bélgica é um dos países em que os doces se destacam muito, são muitas opções, mas é claro que não podemos deixar de comer um delicioso waffle e tem que ser o mais completo. O meu favorito é o clássico com morangos, calda de chocolate e chantilly, porém as opções são tantas, que fica difícil decidir.
E juntando lojas maravilhosas e gastronomia belga temos uma outra experiência de conto de fadas: as lojas de chocolates. Os chocolates belgas dispensam apresentação, mas as lojas… Não é brincadeira, a gente entra e além de se encantar com a loja em si, com o desenho dos móveis, com o formato de cada chocolate, com os nomes dos sabores mais exóticos, com as lindas embalagens para presentes, ainda somos “abordados” pelas encantadoras degustadoras, com traje tradicional, nos oferecendo uma provinha, e depois outra, e outra. São deliciosos!
Mas, o ponto forte mesmo não está na comida e sim na bebida. Chegou o momento em que não iremos falar de vinhos, mas de cervejas. E podemos confirmar tudo isso nas ruas. Os bares e restaurantes estão sim sempre lotados, independente da hora, e o motivo é ela: a cerveja. São diversas marcas, variedades e tamanhos, e não me refiro somente ao tamanho das garrafas, me refiro ao tamanho dos copos! É bonito de ver em cada bar um copo de cerveja diferente, tem copos que chegam a 1 litro, se não mais. E além do tamanho, chamam a atenção pelo estilo, parecem desenhados à mão, como tudo em Bruges na verdade. E além de poder degustar a cerveja no bar, é possível ver de perto como ela é fabricada, visitando algumas das cervejarias da cidade.
Fugindo um pouquinho do centro e desse agito podemos encontrar lugares que nos trazem um momento de paz. Bruges tem alguns parques e jardins, lindos. E também os belos canais que, ainda que nos levem aos principais pontos da cidade, conhecer Bruges dentro de um barco é bem diferente, é uma outra percepção. Com as gaivotas voando sobre nós, podemos observar os belos edifícios, bares e restaurantes às margens dos canais, encontrar passagens secretas e cruzar as pontes de uma forma não tão tradicional, passando por baixo delas.
Atualmente, o porto de Bruges fica um pouco longe do centro, assim como suas praias, que também não são tão visitadas quanto a parte histórica. Realmente não faz muito sentido incluir essa região no roteiro, pois não é o que a cidade tem de melhor e infelizmente em Bruges o clima também não favorece. Pode ser que eu seja azarada, mas tentei ir até no verão e ainda assim não vingou o dia. Mas em Bruges, o clima não faz tanta diferença, porque a cidade sempre será um encanto, seja com raios de sol ou com flocos de neve.
A visita mais tradicional à Bruges é um “bate-volta” desde Bruxelas, por isso a noite na cidade é realmente menos movimentada do que o dia e, talvez por esse mesmo motivo, é que vale a pena passar uma noite ali. É possível conhecer a cidade durante o dia, seus pontos turísticos, museus, cafés, lojas, além de fazer alguns dos tradicionais passeios. Porém, é durante a noite que realmente se “sente” Bruges, em um ambiente calmo e tranquilo, onde podemos apreciar um belo jantar em um ótimo restaurante, brindando, é claro, com cerveja belga!
As cervejas belgas
A cerveja é um dos ícones da Bélgica. Se tem algo que os belgas fazem bem, além dos deliciosos chocolates, são as cervejas especiais. Entre as famosas estão as marcas Delirium, Chimay, Duvel, Gulden Draak, entre outras.
Nosso sommelier, Denilson Santos, me ajuda a contar para vocês um pouquinho sobre as cervejas belgas, produzidas desde o ano 1200.
A tradição no país surgiu quando os monges produziam cervejas para dar aos viajantes. Naquela época, quando a água era imprópria para consumo, o processo de fabricação da cerveja era perfeito para garantir a qualidade e longevidade da bebida.
Durante sua história, as cervejas belgas sofreram alguns golpes. A Primeira Guerra Mundial foi crucial para muitas cervejarias, pois as forças alemãs confiscavam seus equipamentos de fabricação, inviabilizando o negócio, então somente a metade das quase 3.200 fábricas de cerveja sobreviveu naquela época. Mas foi a crise econômica de 1929 que deu golpe final nas cervejarias, que vinham lentamente se restabelecendo. E ainda, nas décadas seguintes, muitas fecharam as portas devido à forte concorrência e ao alto custo de investimento para sua modernização, enquanto as grandes cervejarias industriais consolidavam o mercado nacional.
Hoje, existem mais de 1.500 tipos de cerveja na Bélgica. Há tanto tempo produzindo a bebida, os belgas foram adquirindo experiência e criando características que tornaram suas cervejas tão especiais. As cervejas belgas possuem uma complexidade única, sendo elaboradas com métodos que combinam inovação e tradição, todos de estilo Ale (alta fermentação), apresentam sabores e teores alcoólicos diferentes umas das outras.
Mas como são afinal as cervejas belgas? São encorpadas, maltadas, altamente fermentadas e alcoólicas. O belgas gostam de condimentar suas cervejas, trazendo tons de frutas, flores e especiarias à sua fórmula. É bastante comum sentir o gostinho de limão e de coentro nas cervejas Witbier, por exemplo.
É tudo uma questão de gosto, e se por acaso o seu combina com o estilo dessa maravilhosa escola cervejeira que é a Bélgica, então você terá a oportunidade de conhecer uma imensidade de cervejas belgas e se apaixonar por toda sua tradição. É claro, melhor ainda seria provar todas essas maravilhas lá na Bélgica, nas tradicionais cervejarias que estão por todas as partes.