por Karen Andriolo Basso
(conteúdo publicado na Revista Terroir Boccati Edição 09 – Outono)
A história da agricultura se entrelaça com o desenvolvimento da humanidade. No período neolítico, foram constituídas as primeiras técnicas e materiais utilizados para o cultivo de plantas. Tais atividades de sobrevivência da espécie, juntamente à caça, permitiram ao homem fixar moradia em determinada localidade, dando início às primeiras sociedades. À medida que técnicas e tecnologias eram aperfeiçoadas, a evolução da agricultura colaborava no processo de construção das civilizações e de seus espaços geográficos.
Originalmente, a prática agrícola se desenvolvia na proximidade de grandes rios, como Tigre e Eufrates, Nilo e Jordão. A civilização egípcia, um dos maiores exemplos de nação que prosperou em razão do seu conhecimento avançado sobre a agricultura, contava com as cheias do Nilo para encharcar áreas de várzea que se tornavam férteis. Os habitantes da região aprimoraram o controle da produção e criaram um riquíssimo e poderoso império. Os romanos, posteriormente, transcenderam os obstáculos geográficos ao criarem os aquedutos, através dos quais conduziam água de um território para outro, aumentando consideravelmente as áreas produtivas e revolucionando a agricultura. O aperfeiçoamento das técnicas, por parte dos europeus, foi a base para o desenvolvimento de máquinas que usamos hoje.
Milênios se passaram e, com a expansão marítimo-colonial europeia, os países do Velho Mundo disseminaram as diferentes culturas através das plantations¹. E na Revolução Industrial ocorreu um dos mais importantes momentos da evolução alimentar: a Revolução Agrícola. O processo da industrialização transformou o espaço geográfico do meio rural com a inserção de aparatos tecnológicos na produção.
A partir do século XX, a agricultura intensiva aumentou a produtividade, desenvolveu fertilizantes sintéticos e pesticidas e substituiu a mão-de-obra por maquinários. Como resultado, teve-se o aumento da poluição das águas e a degradação severa de grande parte das terras agrícolas. Tornou-se evidente que a humanidade havia extrapolado a capacidade do planeta em repor seus recursos.
Diante desse quadro, em 1972, o conceito de sustentabilidade surgiu durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, afirmando que desenvolvimento sustentável é aquele “capaz de suprir as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade de atender às necessidades das futuras gerações”.
Apesar disso, por décadas o modus operandi de desenvolvimento dos países foi mantido e, os problemas negligenciados por tantas décadas, emergiram na virada para o século XXI.
Desde então, nosso modelo agrícola contemporâneo tem sido tema de debate e de revisão. Segundo a ONU, a atividade é responsável por 70% da água potável consumida e 30% do gás carbônico produzido mundialmente. Sabendo que a maior parte da população mundial vive em áreas urbanas e que a estatística tende a aumentar até 2050, uma das soluções mais lógicas para tornar a agricultura sustentável é aproximar a produção de alimentos dos consumidores. Hortas e fazendas urbanas surgem, assim, como uma resposta.
Embora com objetivos em comum, de facilitar a distribuição de alimentos nas cidades, diminuir consumo de agrotóxicos e de contribuir para o meio ambiente, hortas e fazendas urbanas possuem diferenças entre si, começando pela escala em que são produzidas e a que são destinadas. As hortas urbanas destinam-se ao baixo consumo (unifamiliar, condomínios e bairros); já fazendas objetivam o abastecimento de populações.
Uma horta comunitária estimula um pensamento colaborativo, promove experiências e humaniza as relações entre vizinhos, criando espaços verdes no tecido urbano. Uma horta particular, por sua vez, propicia uma alimentação mais saudável para os moradores da residência, além da comodidade de colher o próprio vegetal dentro de casa. Para este público, marcas de eletrodomésticos ofertam uma diversidade de produtos que criam um ambiente controlado para a produção de hortaliças in door.
As fazendas urbanas (vertical farms), por sua vez, consistem em locais de cultivo intenso e protegido de hortaliças, árvores frutíferas e de piscicultura. Como solução de abastecimento alimentar em grandes metrópoles, visam a redução de custo de transporte, bem como colaboram para as questões climáticas e de abastecimento. O seu método produtivo é até 28 vezes superior ao do cultivo em campo convencional. Cases de sucesso se espalham mundo afora, como a Fazenda Urbana da Mercedes Benz, em São Bernardo do Campo (SP), cuja colheita equivale a de uma área de oito campos de futebol. A Sole Food, em Vancouver (Canadá), supre a demanda de vários restaurantes e mercados locais, produzindo 60 toneladas de comida por ano. A Sky Greens, em Cingapura (Malásia), é 10 vezes mais produtiva que as plantações tradicionais, produzindo diariamente meia tonelada de hortaliças orgânicas.
Exemplos se multiplicam pelo Brasil e pelo mundo também no caso das hortas comunitárias. São Paulo se evidencia por já possuir diversas em atividade, como a instalada no subsolo do Edifício Pátio Victo Malzoni, cujo condomínio aproveita os resíduos orgânicos gerados no próprio prédio, transformados em adubo por um sistema de compostagem próprio que é distribuído gratuitamente. No exterior, ganha destaque a cidade inglesa Todmorden de 15 mil habitantes e autossuficiente em termos de alimentos, nos últimos anos, tornou-se palco do projeto que lhe deu fama mundial: Incredible Edible. A iniciativa oferece alimento gratuito para a comunidade, apoia e promove agricultores locais e desenvolve uma rede educacional para jovens e cidadãos.
Se grandes metrópoles começarem a adotar Hortas e Fazendas Urbanas, impactos positivos podem ser atingidos. Um edifício de 30 andares com plantação controlada poderia alimentar até 10 mil pessoas. Se aplicado no Rio de Janeiro, por exemplo, menos de 650 construções deste perfil seriam necessárias para alimentar a cidade toda. Uma alternativa, que está sendo avaliada na Filadélfia (EUA), seria aproveitar prédios abandonados para estas plantações, transformando um problema público em um agente de melhoria socioambiental, basta que o país invista na causa. Tecnologias para melhorarem a realidade existem, só precisam ser colocadas em prática.
¹Plantation: sistema agrícola baseado em monocultura para exportação que utiliza latifúndios e mão de obra escrava. Esses sistema foi amplamente utilizado durante a exploração das Américas.