Nossa querida Germânia

por Eduarda D’Agostini

(conteúdo publicado na Revista Terroir Boccati Edição 06 – Inverno)

A Alemanha é um país famoso pela inteligência, organização e pontualidade de seu povo. A inteligência pode ser notada de longe, sabendo de empresas alemãs líderes em seus segmentos e sempre à frente do mercado. Organização, na minha opinião, é uma característica bastante europeia, percebida em vários países do continente. Já quanto a pontualidade, pode ser que eu seja a azarada, mas infelizmente não posso confirmar essa característica através da minha experiência própria. De todas as vezes que estive na Alemanha sempre tive algum “probleminha” de atraso, especialmente nos horários dos aviões e trens.

Os alemães foram dos muitos povos que exploraram nosso país, colonizando principalmente as regiões Sul e Sudeste. Algumas colônias alemãs ainda existem no Brasil e, em muitas cidades, podemos encontrar uma arquitetura tipicamente alemã e a famosa gastronomia germânica. Além da popular Oktoberfest, uma das festas alemãs que é celebrada anualmente em algumas cidades brasileiras.

Acredito que esse segundo grupo de características (cultura, arquitetura, gastronomia e festas) seja muito mais interessante do que o primeiro (inteligência, organização e pontualidade) quando estamos planejando um passeio para conhecer outro país. Por isso, são exatamente essas  características que irei explorar nesta edição do Vale Conhecer.

A Alemanha foi um dos últimos países que conheci. Demorou um pouco, mas, quando tive a primeira oportunidade de ir, logo surgiram pretextos e acabei indo quatros vezes em dois anos – ufa! Nessas viagens pude conhecer diferentes cidades, então optei por falar sobre o país de uma forma mais geral e contar um pouquinho do que podemos ver. E como justo estive lá duas vezes no outono e duas no inverno, acredito que o inverno seja uma das estações que mais combina com o país, por ser mais intenso eles estão bastante preparados e há muito o que fazer por lá nesta época.


Começamos pela chegada. A entrada para a Alemanha, e muitas vezes para a Europa, é o gigantesco aeroporto de Frankfurt, um dos centros mais importantes de transporte aéreo mundial. Já de cara vemos a grandeza do país e, especialmente, o agito da cidade. Frankfurt tem um calendário recheado de feiras e eventos internacionais, além de ser sede de muitas empresas e, por isso, a maioria dos seus visitantes vai mesmo é a trabalho.

Digna da silhueta urbana mais impressionante da Europa, Frankfurt nos confirma, através da modernidade dos seus prédios e do agito do seu dia a dia, que gira mesmo é em torno dos negócios. Mas, como toda boa e “velha” cidade europeia, a preservação do centro antigo nos presenteia com muita história para conhecer, edifícios, praças e restaurantes tradicionais para poder também curtir a parte turística da cidade. Com certeza, Frankfurt é a cidade com o contraste mais forte entre modernidade e antiguidade que eu conheço.


A Alemanha é um país que possui uma história com fatos delicados, que a maioria dos alemães quer esquecer e evita falar. Nuremberg é conhecida como o museu histórico mais vivo do país, preservando muralhas, construções e monumentos importantes, além do famoso Castelo de Nuremberg, que contam boa parte da história da Alemanha nazista. A pequena Vila Handwerkerhof também é um local bastante preservado onde podemos conhecer como era a Alemanha de antigamente, além de nos proporcionar um belo passeio!

Mas, não só do passado vive Nuremberg. Apesar de ser uma cidade pequena e bastante pacata, em uma época específica do ano ela torna-se o centro das atenções por um motivo muito especial. Nuremberg possui um dos Mercados de Natal mais famosos da Alemanha, além de diversas outras atrações especiais para celebrar as festas natalinas.

Os famosos Mercados de Natal europeus, são “feiras” organizadas nas principais praças das cidades durante o mês de dezembro e início de janeiro. Ali podemos desfrutar de diversas experiências. Nas barracas decoradas, se vendem artigos para decorar a casa e a ceia, presentes, artesanato, o melhor da comida de rua, além do famoso “vinho quente” – tradição de muitos países que celebram o Natal no inverno. E tudo isso embalado às tradicionais músicas natalinas.


Stuttgart foi uma grande surpresa pra mim! Uma cidade linda, cheia de monumentos e edifícios históricos super bem conservados. Jardins e praças floridos em pleno final de outubro. Uma cidade aparentemente mais jovem e agitada, recheada de opções de lazer, compras e restaurantes. Mas, além de um passeio agradável, a cidade pode proporcionar momentos de pura emoção para os fãs de automóveis.

Os carros alemães são famosos mundialmente e a cidade natal dos automóveis, onde tudo começou, é Stuttgart! Ali foi inventado o primeiro motor a gasolina, em uma pequena oficina improvisada, que hoje é bastante visitada. Mas os mais frequentados, com certeza, são os museus das famosas montadoras Mercedes-Benz e Porsche, além dos eventos e encontros de carros realizados na cidade.


Acredito que Munique represente para a Alemanha o mesmo que Milão representa para a Itália, ou Barcelona para a Espanha. Não são as capitais, mas cidades muito visitadas e famosas pelo que oferecem aos seus moradores e aos turistas. Munique é uma bela cidade, ao mesmo tempo que é moderna, preserva a tradição alemã. Apesar de ser agitada e badalada, nos oferece locais e momentos de paz e tranquilidade junto a seus belos parques e jardins. Lá temos opções para todos os gostos e bolsos, impossível não desfrutar de cada segundo da visita!

E ainda de quebra, para os fãs de futebol, lá podemos visitar um dos mais belos e modernos estádios da Europa, a Allianz Arena. Além é claro de poder acompanhar belas partidas de um grande clube de futebol mundial. Mas, para os menos esportistas e mais boêmios, Munique também pode nos oferecer muitas experiências voltadas para o mundo da cerveja!

As cervejas

A Alemanha tem cultura e tradição fortes quando o assunto é cerveja. Os números são grandes tanto em consumo quanto em produção. São mais de cinco mil marcas de cervejas existentes no país, que é fiel à Lei da Pureza (criada no ano 1.516), a qual estipula que a bebida deve conter apenas água, lúpulo, malte e levedura.

Troquei uma ideia com nosso sommelier Denilson Santos, que busca constantemente entender mais sobre o mundo das cervejas. Ele me contou que uma das grandes curiosidades que ele teve quando começou a aprender sobre a bebida, e que ainda o intriga bastante, é a temperatura de serviço das cervejas alemãs, já que o clima do Brasil é muito diferente do clima da Alemanha e, devido a isso, a temperatura para consumo das cervejas também pode variar. O povo brasileiro costuma consumir cervejas extremamente geladas, quando vamos a um bar sempre pedimos pela famosa cerveja “estupidamente” gelada, porém essa temperatura seria ideal para qualquer tipo de cerveja?

A resposta é não. No caso de cervejas especiais e artesanais, o mais interessante seria servir na temperatura ideal (indicada no rótulo), para garantir uma melhor apreciação da bebida. Na Alemanha, onde o clima na maior parte do tempo é bastante refrescante, a cerveja não precisa estar extremamente gelada. As Cervejas Pilsen e Helles, que são muito consumidas no verão, pedem temperaturas entre 3° e 5° graus, já para as demais cervejas (como as Bocks), mais consumidas no inverno, o ideal seria servi-las de 6° a 10°. No inverno alemão basta colocarmos a cerveja no lado de fora de casa para a mesma atingir a temperatura ideal para consumo. E como, mesmo no inverno, o povo costuma comer e beber na parte externa dos restaurantes, então basta servir a cerveja que o clima exterior fará seu trabalho.

Outra diferença interessante entre os países é o copo para o consumo das cervejas. No Brasil costumamos degustar nossa cerveja em copos de no máximo 500ml, já os alemães degustam suas cervejas em copos maiores, chegando a 1 litro. Mas, isso também tem interferência da temperatura, como no Brasil as temperaturas são na maior parte do tempo mais altas, deixar muita bebida num copo maior só irá fazer com que a mesma esquente mais rápido, já na Alemanha, onde as temperaturas são mais amenas, podemos consumir tranquilamente a cerveja em copos maiores, pois a temperatura da bebida não oscilará tanto.

A temperatura de serviço pode sim variar muito de um país para outro, mas o gosto e apreciação pela cerveja não. E o gosto pelas festas e momentos de celebração? Acredito que também não! E, apesar de termos festas tradicionais brasileiras que são muito mais a “nossa cara”, o brasileiro já pegou até o gostinho de celebrar a Oktoberfest. Mas como é celebrada a maior festa popular do mundo no seu país de origem?

Oktoberfest

A Oktoberfest surgiu na Alemanha, em 1810, para comemorar um aniversário de casamento na monarquia. Nessa época a cerveja ainda nem fazia parte da festa, porém com o passar dos anos, tornou-se a grande estrela. Hoje a festa já é celebrada em diversos países e, apesar de levar o mês de outubro no nome, ocorre sempre na segunda quinzena de setembro, finalizando no primeiro domingo de outubro.

A festa é uma mistura de brincadeiras, lazer e tradição, embalada a música folclórica alemã e regada a cervejas servidas diretamente das torneiras aos famosos canecos de 1 litro, além de muita descontração. Apesar do que a maioria das pessoas pensam, a Oktoberfest não é uma festa para beberrões solteiros, os alemães tradicionais costumam mesmo é ir em família. Mas, para os mais festeiros, a mais famosa edição da festa, realizada em Munique, conta com um pavilhão direcionado para estrangeiros, onde se celebra sim a tradição alemã, porém o clima é mais turístico.

Os vinhos

Me surpreendi ao saber que a Alemanha é mais conhecida pela produção dos vinhos brancos do que dos tintos. Quem me comentou isso foi nosso sommelier Jylson Carvalho, que explica: o clima é mais favorável à produção de uvas brancas, pois na maior parte do tempo faz frio e os verões são relativamente curtos, o que dificulta a produção de uvas tintas que necessitam maior maturação.

O país possui 13 principais regiões produtoras de vinhos e a maioria fica concentrada na região sudoeste, sendo as mais conhecidas: Baden, Mosel, Pfalz, Rheingau e Reinhessen. Como na Alemanha existem várias castas  autóctones (nativas), que normalmente não fazem parte do nosso cotidiano, nosso sommelier cita algumas das mais produzidas em território alemão que são mais conhecidas por nós: as brancas Riesling (com grande
destaque na produção), Müller-Thurgau (Rivaner), Pinot Gris (Grauburgunder), Pinot Blanc (Weissburgunder), Gewürztraminer e as tintas Pinot Noir (Sapätburgunder) e Pinot Meunier.

Como podemos perceber, nem os nomes das regiões nem os das uvas são muito fáceis para nós. E realmente essa é uma grande dificuldade percebida na hora de escolher um vinho alemão e para complicar ainda mais a classificação dos vinhos e suas categorias são bastante complexas. Vamos desbravar então um pouco esses termos?

Classificação por Qualidade

Qualitätswein: para obter esse selo, o vinho deve proceder 100% de uma das 13 principais regiões produtoras de vinhos do país, além de passar por uma análise de qualidade regulamentada que inclui o controle sensorial do vinho.

Prädikatswein: são vinhos de qualidade superior com origem controlada. Existem seis subcategorias desse estilo, que são:

Kabinett: a mais básica, com vinhos leves, delicados e de baixo teor alcoólico.

Spätlese: vinhos de bastante qualidade e feitos com uvas colhidas tardiamente (no mínimo sete dias após colheita tradicional). Por serem uvas maduras, elas possuem mais açúcar, porém o resultado final pode ser de um vinho doce ou seco.

Auslese: uvas mais maduras e selecionadas. A maioria dos vinhos dessa classificação são doces, mas também existem as de estilo Trocken (secos).

Beerenauslese: seleção manual, feita baga por baga, uvas extremamente maduras já no estado de podridão nobre (atacado pelo fungo Botritys Cinérea) o que só ocorre em condições climáticas específicas.

Trockenbeerenauslese: feitos com uvas secas (estilo uva passa) extremamente maduras e selecionadas. São vinhos bastantes doces e raros já que não é possível produzi-los todos os anos.

Eiswein: as uvas são colhidas congeladas a -7C° e levadas imediatamente para prensagem. Como resultado o vinho é denso, com alto teor de açúcar residual e boa acidez.

Classificação por Açúcar

Trocken (seco): máximo 9g/l.

Halbtrocken (meio seco): de 9g/l a 18g/l.

Lieblich: de 18g/l a 45g/l;

SüB: acima de 45g/l

A gastronomia

Normalmente a gastronomia é um dos pontos que mais sentimos diferença ou até mesmo dificuldades de adaptação quando viajamos a outro país. O que eu mais senti dificuldade com a gastronomia alemã não foi a comida em si e sim os horários das refeições. Lá se come cedo mesmo! O almoço é pontual ao meio-dia e o jantar normalmente às 19:00 ou em alguns locais até mesmo antes. É claro que em centros turísticos sempre encontramos opções mais flexíveis em relação a isso, mas é um detalhe que devemos estar atentos. Quanto à comida, acredito que não tenhamos maiores dificuldades de adaptação.

Para elaborar um verdadeiro cardápio alemão deveríamos pensar em pratos com carne de porco acompanhados por batatas e misturas agridoces e finalizados com um buffet de sobremesas à base de frutas. O lanche da tarde poderia ser com as famosas cucas, tão difundidas e adoradas em muitas partes do Brasil. Na Alemanha, realmente podemos encontrar uma variedade incrível de pratos feitos com carne de porco como o famoso Eisbein (joelho de porco) – provei e gostei! Já os acompanhamentos ficam por conta de receitas com batatas ou receitas agridoces, como o famoso Sauerkraut (chucrute) provei e adorei! Pra quem gosta de maçãs, a Alemanha é um verdadeiro paraíso. A variedade de doces feitos com a fruta é incrível e é um mais delicioso que o outro. Eu particularmente gosto muito do famoso Apfelstrudel (folhado de maçã) que, apesar de não ser originalmente alemão, é muito popular na gastronomia do país. Outro produto que pode ser encontrado em grande variedade de marcas é o suco de maçã, também delicioso! E, talvez o mais estranho para nós, o tradicional vinho de maçã Apfelwein, muito popular na região de Hessen. Provei e achei realmente estranho.

Mas eu, particularmente, tenho uma paixão especial por comida de rua e lá podemos desfrutar de inúmeras experiências gastronômicas nesse sentido. Os mercados e feiras gastronômicas ao ar livre são inúmeros, a variedade de combinações dos hot-dogs que podem ser feitas é enorme, isso se deve ao grande número de salsichas diferentes que o país oferece. E o famoso Pretzel, que parece um prato simples, pode ser encontrado com os mais diversos recheios, eu prefiro o mais simples: com manteiga.

Já para aqueles que preferem comida de alto nível, a Alemanha também tem muito a oferecer. O país está se especializando em restaurantes de luxo e muitos jovens chefs vêm se destacando com pratos inovadores.

Foto: Arquivo Pessoal

Independente dos nossos gostos pessoais podemos perceber que a Alemanha pode ser um país bastante eclético e dificilmente não irá nos agradar. É importante saber que lá podemos falar inglês tranquilamente em regiões turísticas ou não, sempre alguém nos poderá auxiliar com dúvidas e dicas. Outro ponto que devemos considerar é que por ser um país com tanta coisa legal para conhecer, o ideal é nos programarmos para conhecer diferentes cidades em uma mesma viagem, podendo nos locomover em trem, carro ou até mesmo avião, dependendo de quais foram os destinos escolhidos.

Agora só falta preparar a mala e ir! Falando em mala… uma das vezes que fui no outono acabei tendo que comprar emergencialmente camisetas de manga curta. Esse clima está mesmo louco, então nunca é demais ser prevenido. Bom passeio!

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